Depois de Ver... Minorias
Era festa de final de ano na empresa, uma financeira, e resolveram passar um belo e inspirador vídeo institucional da Coca-Cola, feito no Brasil e com atores brasileiros. O vídeo conta a história de uma pequena cidade que está com a ponte quebrada e como os moradores se unem para reconstruí-la.
Olhando ao redor naquela sala repleta de gente que assistia o vídeo, emocionados, percebi nos olhos deles o sentimento, eles se viram ali, representados na telinha por atores globais. Se viram unidos, juntando forças para construir uma ponte de possibilidades. Após isso, o Papai Noel, sorrisos, a festa, mais sorrisos. Todos naquela sala se viam ali. Mas eu não.
Lembrei que somos um país com maioria negra/parda. Mas que esta distribuição não alcança diversos setores. Olhei para os lados e em meio a mais de 100 pessoas e me vi sendo o único negro da empresa. Mas vi a cozinha cheia, os garçons que passavam por mim. Me identificava muito mais com eles. Era onde estavam mais iguais.
Não somos minoria! Segundo dados do IBGE de 2013 a população preta e parda (autodeclarados), já corresponde a 53% da população brasileira. E é bem provável que essa relação tenha aumentado nos dois anos seguintes.
Mas ainda somos minoria, nas faculdades, nos altos cargos do governo e empresas, na política, em cargos ditos elitizados (médicos, advogados). E não somos minorias nos presídios, nas estatísticas de mortos, nas favelas, nas taxas de analfabetismo, nas comunidades em vulnerabilidade social, nas vítimas de homicídio...
Por que somos maioria e ainda assim somos estigmatizados? Por que nas posições privilegiadas da sociedade ainda é de maioria branca?
A resposta está na história, no processo de abolição, que nos tornou livres, mas não deu, estrutura, direitos, dignidade. Está no preconceito, velado e até muitas vezes escancarado que sofremos, sendo medidos por nossa aparência em detrimento a nossas capacidades. São as oportunidades que nos faltam, as portas que são fechadas por nossa cor.
Ainda que a relação entre brancos e negros/pardos no Brasil, demonstre uma maioria de afro descendência, o negro continua sendo o oprimido por aqui. É a esmagadora maioria, embora sejam minoritários na sociedade.
Ainda assim a TV teima em fazer uma TV que não é para mim, que não me é semelhante. E quando o faz, estão em posição de vulnerabilidade. Como se a única opção possível de ser negro seja a do nordestino fugindo da seca, o ladrão, o malandro, o empregado, o amigo pobre do filho do protagonista.
Somos um pais de maioria preto/pardo que tem medo de mostrar que somos negros/pardos. Aceitamos o imigrante europeu que vem, muitas vezes, para a exploração sexual da brasileira, mas não aceitamos o refugiado Haitiano que vem em busca de uma vida melhor.
É importante também não generalizar, há sim negros no poder, há negros na TV em posição de destaque, a questão é que esta proporção não é a mesma da sociedade, e o mínimo que se espera é uma semelhança entre estas grandezas. Lembre-se também que não são todos os brancos opressores, mas vale ressaltar que a sociedade o é. E assim, torna opressor quem, como o negro que consegue uma posição na elite e renega ou se envergonha de sua origem. E isso se percebe de forma sutil, é no alisar dos cabelos por exemplo.
Apesar de achar importante e até desejar isso, não espero que a Coca-Cola faça um comercial brasileiro, com todos os personagens negros, também não seria justo. Mas o mínimo que esperava é que a metade daquele elenco tivesse a minha cor. Assim, quem sabe, pudesse ser tocado pelo comercial como meus colegas foram.
A diferença entre maioria e minoria é grande, mas a linha entre maioria e minoria opressora é tênue. A opressão está impregnada na sociedade. E o negro que consegue acender socialmente tem que parar de ter vergonha da sua cor, da sua origem. E quando diretores, empresários, proprietários, passarem a dar a seu semelhante, a oportunidade que muitas vezes lhe faltou.
“Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”
(Os Novos Baianos)