Depois de Ver... Que Sou Negro
Na situação atual política e social na qual o Brasil mergulhou, principalmente nos últimos anos, tomei uma atitude drástica. Passei a lembrar periodicamente a amigos e parentes de que eu era negro. Está sendo um exercício interessante. A negativa da minha negritude sempre foi algo velado, mas presente. Tanto por mim quanto para o outro. Não era aceitável para alguns eu ser um ente querido e ser negro, com esse paradoxo na mente, acredito que eles buscavam a alternativa mais “fácil”, usar o colorismo para negar a minha negritude.
O desconforto estampado nos rostos, a falta de jeito, a fuga do assunto e algumas vezes a vergonha, só mostram que nenhuma delas é uma má pessoa, mas que o sistema estigmatizou o negro de todas as formas. Ao falar isso entro no rol dos negros rebeldes, fujões... Que se recusavam ao subjugo. Mesmo eu não levantando qualquer crítica. O simples ato de afirmar o obvio passa a ser uma afronta ao pensamento já sedimentado em suas mentes.
Moreno e moreninho, sempre foram adjetivos que usaram para me descrever, sobretudo em ambiente escolar, no geral em escola particular onde estudei toda a minha infância. Para muitos os que me rodeiam, não é opção válida admitir o apreço a um negro, por isso, tantos passam a me embranquecer, seja através dos nomes que deveriam suavizar minha cor e me aproximar da população branca, chegando ao que ouvi recentemente, quando afirmei ser negro para uma pessoa muito próxima: “mas o importante é que você é branco por dentro”.
O que essas pessoas não percebem, é que ao ter comportamentos como esses, isso faz com que elas ajam com outros negros na rua, como muitos desconhecidos agem comigo: supervisionando minhas compras, trocando de calçada, segurar a bolsa com força ao passar por mim. Essas pessoas, esses “amigos”, não veem seus atos racistas, e me usam como desculpa interna para não se admitirem racistas.
Porém, admitir e perceber meus privilégios, que tenho devido classe social, oportunidades de educação e até tom de pele, é algo essencial nessa jornada de autodescobrimento na qual me inseri. Tendo estudado toda vida em escola particular, muitas vezes como o único negro da sala, e filho de pais trabalhadores de classe média, percebo que a minha realidade é distante na maior parte da população, e principalmente da imensa maioria negra do Brasil. E para tanto, não tomar minha realidade como regra é primordial. Infelizmente sou uma exceção da população negra do mundo.
E por isso torna ainda mais evidente a necessidade de me posicionar. E usar o pouco espaço que tenho para tentar ser e dar a voz a 54% da população negra do Brasil, que é tão pouco representada nos cenários políticos e empresariais, bem como em posições de chefia e liderança.